Milton
Hatoum nasceu em
1952, em Manaus - Amazonas, onde passou toda a juventude. Em 1967 mudou-se para
Brasília, onde estudou no Colégio de Aplicação da UnB. Na década de 1970 em São
Paulo, onde se diplomou em arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP, trabalhou como jornalista cultural e foi professor universitário de
História da Arquitetura. Viajou, posteriormente, para a Espanha, e passou três
anos em Paris e estudou literatura comparada na Sorbonne. Atualmente, mora em
São Paulo e é colunista do Caderno 2 (O
Estado de S. Paulo) e do site Terra Magazine.
Autor dos
romances Relato de um certo Oriente,
Cinzas do Norte, Órfãos do Eldorado, A cidadã Ilhada e Dois Irmãos, ganhou
o Prêmio Jabuti por quatro vezes obtendo até cinco premiações em um mesmo
livro. Suas obras foram traduzidas em dez línguas e publicadas em catorze
países. O romance Dois Irmãos publicado
em 2000 quebrou com o silêncio de 11 anos que o autor manteve desde Relato de um Certo Oriente, que foi sua
estréia como romancista. Com aquele romance obteve o prêmio Jabuti – 3º lugar
na categoria romance indicado para o prêmio IMPAC-DUBLIN -, e foi eleito o
melhor romance brasileiro no período 1990-2005 em pesquisa feita pelos jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. Em 2001 foi um dos finalistas
do Prêmio Multicultural do Estadão.
OBRA
Nessa
obra o enredo gira em torno da complicada relação entre os irmãos gêmeos Yaqub
e Omar, sendo o último conhecido como Caçula por ter nascido minutos após
Yaqub, filhos de pais de origem libanesa que vivem em Manaus. A história se
passa no contexto da imigração dedicada as práticas comerciais, em uma cidade
em estado de decadência após o período de grande elevação econômica e cultural
do início do século XX.
A
narrativa não apresenta uma cronologia linear, tendo avanços e recuos no tempo,
um exemplo é a morte de Zana (mãe dos gêmeos) que é narrada na introdução da
trama, porém o narrador volta a falar a sobre sua morte no final do
romance. Esses vaivens utilizados fazem
com que a história se desmembre e se revele aos poucos, além disso, narrador
faz o uso dessa técnica muitas vezes, para esclarecer, solucionar ou tornar
ainda mais suspenso os enigmas da história.
Após a
introdução, o primeiro capítulo se desenvolve com a volta de Yaqub de uma
viagem forçada ao Líbano. Nessa ação, pode-se perceber que o ano é de 1945,
logo após a Segunda Guerra Mundial, pois quando o jovem chega ao porto do Rio
de Janeiro o encontra extremamente tumultuoso pela grande quantidade de
parentes e de oficiais que regressavam da Itália. É preciso acrescentar que o
motivo da viagem de Yaqub ao Líbano está relacionado com a tentativa de
separá-lo de Omar para evitar conflito entre eles, essa informação é
esclarecida através de um recuo cronológico.
Os
desentendimentos dos gêmeos e as diferentes personalidades parecem vir desde o
nascimento e com o tempo se tornam mais nítidas. Em um primeiro momento, a
disputa é pelo amor de uma garota chamada Lívia, no baile dos jovens, Zana ordena
que Yaqub leve a irmã Rânia para casa favorecendo Omar. Porém, em uma sessão de
cinema na casa de um dos vizinhos, um problema no equipamento deixa a sala
escura, e ao acenderem as luzes os lábios de Lívia estão grudados no rosto de
Yaqub. Ao ver Lívia beijando o irmão, Omar quebra uma garrafa e fere o rosto do
irmão, deixando uma cicatriz de meia-lua em sua bochecha. Essa cicatriz se
torna o símbolo do ódio entre os irmãos. Após o desentendimento entre os
irmãos, Yaqub é mandado para uma aldeia remota do Líbano pelos pais. Porém, de
nada adiantou a tentativa de evitar conflito entre Yaqub e Omar, pois a volta
do irmão mais velho fez com que eles se odiassem ainda mais.
Na sua
volta para o Brasil, Yaqub se mostra muito inteligente e dedicado aos estudos,
em especial a matemática, ao contrário de Omar que tem uma vida boêmia e
indisciplinada. Yaqub tinha um professor de matemática que era seu preferido,
Bolislau, que é agredido pelo Caçula por ciúmes do irmão. Esse fato faz com que
Omar seja expulso do colégio dos padres, onde ambos estudavam, e vá para uma
escola de reputação duvidosa, conhecida como “Galinheiro dos Vândalos”, onde
conhece e se identifica com o professor Antenor Laval que era um grande
defensor da liberdade e admirador dos poetas simbolistas franceses. Em
contraste, Yaqub obtém êxito em seus estudos e é premiado com uma viagem a São
Paulo, para enriquecer seus conhecimentos, sendo persuadido por Bolislau a lá
permanecer. Em sua última tarde em Manaus, Yaqub e Lívia tem um encontro amoroso.
O
narrador é observador e revela a sua identidade no decorrer da história. Filho
de Domingas, uma índia que fora doada à Zana pelas freiras do orfanato onde
viveu alguns anos de sua vida depois da morte de seu pai na tribo onde morava. Domingas
era obediente à família de Zana e recusava-se a revelar ao filho a identidade
de seu pai. Enquanto isso, em São Paulo Yaqub forma-se em engenharia, tem
grande sucesso profissional e casa-se. Em Manaus, seu pai Halim lê suas breves
cartas e relembra o passado ao narrador, contando desde o nascimento dos filhos
até a inauguração de sua loja. Halim deixa claro que nunca quis ter filhos,
pois sabia que eles roubariam toda a atenção de Zana, principalmente Omar.
Em uma
certa noite, Omar chega embriagado em casa na companhia de uma prostituta e
enquanto dormiam Halim encontra-os nus na sala. Ao ver tal cena, o pai arrasta
o filho pelo cabelo esbofeteando-o e o algema ao cofre. Por dois dias Halim
desaparece deixando o filho algemado. Na noite do aniversário de Zana, Omar
apresenta à família uma mulher chamada Dália, a qual Zana imediatamente percebe
ser uma possível concorrente ao amor do filho e, por isso a expulsa de sua casa
e da vida de Omar. Mais tarde, o Caçula descobre que Dália era uma dançarina
que se apresentava em uma casa noturna, fazendo parte das Mulheres Prateadas.
Na
tentativa de dar um rumo melhor ao futuro do filho Caçula, Zana o envia a São
Paulo, porém Yaqub nega-se a hospedar o irmão em sua casa, propondo-se a alugar
um quarto em uma pensão e o matricular em um colégio. Por algum tempo, Omar se
comporta muito bem, mas a notícia de seu desaparecimento logo chega aos ouvidos
da família. Depois de muita procura, Yaqub descobre que o Caçula, envolvendo-se
com sua empregada, aproveitou-se de uma ausência do irmão mais velho para
invadir sua casa, roubar seu passaporte, suas economias e viajar para os
Estados Unidos se passando por Yaqub. Durante a invasão à casa do primogênito,
Omar descobre que sua cunhada é na verdade Lívia. Cheio de raiva ele destrói as
fotos do casamento de seu irmão com desenhos obscenos.
Durante
uma visita de Yaqub à Manaus, o narrador vê sua mãe, Domingas, de mãos dadas
com o visitante e pensa ter descoberto quem é seu pai, apesar de sua mãe
mostrar afeição também ao Caçula. Ao retornar a Manaus, Omar se envolve com
atividades contrabandistas e encanta-se por uma mulata conhecida como
Pau-Mulato, com quem foge de casa por muito tempo. Com sua fuga, Zana quase vai
à loucura e Halim, percebendo sua angústia, decide procurar o filho mais novo,
porém sua longa busca não surte resultado. Um dia, Zana descobre o paradeiro do
filho através de um velho peixeiro conhecido como Perna-de-Sapo, após muito
discutir com Omar ela o traz para casa. No decorrer da trama, o narrador que
tem o nome de Nael, revela sua paixão por Rânia, irmã dos gêmeos, com quem tem
apenas uma noite de amor.
Em
abril de 1964, após o golpe militar, o professor Laval, grande amigo de Omar e
de Nael, é espancado em praça pública por policiais e preso. Alguns dias
depois, é dado como morto, fazendo com quem o Caçula feche-se em luto e deixe
por algum tempo a vida boêmia. Esta presença maior de Omar em casa, faz com
quem Halim sinta-se desconfortável em seu próprio lar e este começa a se
ausentar em longas caminhadas e a mergulhar cada vez mais nas lembranças do
passado. Nael, a pedido de Zana, segue Halim em suas caminhadas, até que na
véspera do Natal de 1968, Halim desaparece e só volta para casa de madrugada.
Ao amanhecer, Zana o encontra sentado no sofá, sem vida. Ao ver o pai morto
Omar desfere ofensas e tenta agredi-lo, mas os vizinhos o impedem de fazê-lo e
Zana o repreende severamente. Podemos dizer que pela primeira vez ela trata o
filho com firmeza e desaprovação. Ao saber da morte do pai, Yaqub manda uma
coroa de flores para o enterro e lamenta sua morte.
Algum
tempo depois, Omar conhece um indiano chamado Rochiram que tem a intenção de
construir um hotel em Manaus. Ao perceber a intenção de Rochiram, Zana envia
uma carta para Yaqub na tentativa de reconciliar os irmãos e fazer com que eles
trabalhassem juntos. Entretanto, Omar percebe as intenções da mãe e tenta
esconder o indiano. Algum tempo depois, Yaqub viaja para Manaus, e hospeda-se
em um hotel nas redondezas, a fim de fazer negócios com Rochiram secretamente. Certa
manhã, Yaqub visita a casa da família e deita-se na rede com Domingas, Omar
aparece na varanda e agride o irmão que estava indefeso, rasgando seus projetos
para a construção do hotel. Tal atitude se dá, pois Omar descobre que fora
traído por Yaqub, e o teria matado se não fosse a presença de Domingas e Nael
na casa. Esse episódio gera grande dívida entre o indiano e a família.
Antes
de morrer, Domingas revela a Nael que fora violentada por Omar, deixando a
entender que este é seu verdadeiro pai. Devido a dívida adquirida com o
indiano, a família, por sugestão de Yaqub, é obrigada a dar a casa como forma
de pagamento. Rânia, então, compra um bangalô para viver com a mãe o Caçula,
porém Zana recusa-se a deixar sua casa e suas lembranças. Após a agressão, Yaqub
denuncia o irmão à polícia, tornando Omar um foragido. Nesse meio tempo, Zana
falece, e o quarto onde Domingas e Nael dormiam foi dado ao narrador como
herança por Yaqub.
Certa tarde, Rânia avista o
Caçula, mas não tem tempo de conversar com ele, pois os policiais o estavam
perseguindo, conseguindo então captura-lo. Nael, o narrador, cita brevemente o
falecimento de Yaqub, e Omar sai da cadeia um pouco antes do cumprimento de sua
pena. O
romance se desfecha com a cena de Omar aparecendo na presença de Nael, debaixo
de chuva, os dois se olham fixamente, e o Caçula parece querer pedir perdão,
mas não o faz e sai lentamente.
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