DOM CASMURRO – MACHADO DE ASSIS
Ana Paula Rodrigues Carvalho
Lincoln Raniere Porto Schwingel
Autor
Joaquim
Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 1839-1908) nasceu no morro do
Livramento, sendo seu pai, carioca, de cor escura, pintor de paredes, porém homem
de alguma instrução, e sua mãe portuguesa da Ilha de São Miguel. Perdendo esta
aos dez anos, o pai casa-se com Maria Inês, que se encarregou de sua criação,
ainda depois da morte dele, em 1851. Foi sempre autodidata. Começou como
aprendiz-tipógrafo na Imprensa Nacional, depois foi revisor na Livraria de
Paula Brito e no Correio Mercantil, e a seguir redator no Diário do Rio de
Janeiro. Casa-se, aos trinta anos, com Carolina Augusta de Novais, moça
portuguesa educada e de família de intelectuais. Esta faleceu em 1904 e não lhe
deu filhos. Ingressando no funcionalismo público, Machado de Assis ocupou
sucessivamente todos os postos, desde amanuense até diretor-geral de
Contabilidade, em 1902, no Ministério da Viação. (Afrânio Coutinho, A
Literatura no Brasil, 3ªed)
Afrânio Coutinho, crítico que é
referência na historiografia literária brasileira, define Machado de Assis como
'o primeiro e mais acabado modelo do homem das letras autênticos'. Sua obra
transpõe as barreiras de tempo e espaço, e pode ser considerada como universal.
Por questões de periodização,
Machado de Assis é tradicionalmente considerado como um escritor realista
(embora a crítica considere romantica toda sua produção anterior à Memórias
Póstumas de Brás Cubas). É evidente que tanto o Romantismo quanto o
Realismo estão presentes na obra machadiana, foram as duas tendências
predominantes no século XIX. No entato não possui os excessos sentimentais do
romântico mas também não chega à frieza extrema do realista. E nesse
equilíbrio, criando objetos perfeitos, é que ele consegue causar a admiração no
espírito do leitor.
Machado conta a essência do homem,
sua precariedade existencial. Não é possível detectar em sua obra uma estrutura
moral unificada, não falamos mais de personagens típicos, gerados do senso
comum. Trata-se de personagens com vida própria, cujo caráter é revelado
(parcialmente) apenas nas situações de conflito.
Obra
Dom
Casmurro, publicado no início do século XX, é uma das mais importantes obras da
literatura brasileira e também a mais conhecida de Machado de Assis. A obra
denota sua importância por representar muito bem uma trajetória de inovação
literária iniciada pelo autor com a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Machado de Assis apresenta técnicas narrativas renovadoras em todas as
suas obras como, por exemplo, a metalinguagem e a intertextualidade, bem como a
utilização da ironia, de digressões e do emprego de capítulos curtos. Em Dom
Casmurro a narrativa é construída a partir de diversas digressões da personagem
que busca no escrito uma espécie de autoanálise de fatos passados exercendo a
função de uma pseudo-biografia do protagonista.
A memória, no romance, atua como uma ponte entre a narrativa do
presente e a suposta verdade dos fatos do passado resgatados pelo personagem a
cada momento que os "fantasmas" o perturbam. Esse mecanismo de flashback, a volta constante na escrita
para a memória passada faz com que a narrativa tome direções sempre não
lineares, fragmentadas, impondo ao leitor um papel fundamental: a de "juiz"
dos fatos narrados, bem como a dúvida. Percebe-se que Bentinho consegue invocar
do passado apenas as imagens, mas não a sua sensação, pois essa está tomada de
melancolia.
Podemos dividir a obra em duas
partes, a primeira em que destaca a figura de Capitu, cujo caráter é mais forte
que o de Bentinho, ela planeja e toma as decisões por ele, e o frágil amor só
sobrevive graças a seu gênio meticuloso. No entanto todas as informações que
temos da personagem é nos dada pelo marido, sendo que, para o leitor, é difícil
detectar até que ponto a narrativa é racional e até que ponto há melancolia.
Tudo em Capitu é apresentado como a possibilidade do engano, desde 'os olhos de
ressaca oblíquos e dissimulados' até às ideias 'hábeis, sinuosas, surdas, e
alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos',
Já a segunda parte é destacada a
figura de Bentinho, cujo comportamento se revela patético, desgovernado e
prepotente. Sua dúvida em relação à traição de Capitu torna-se gradativamente
em certeza. Embora essa convicção seja apenas do personagem, durante muito
tempo Dom Casmurro foi considerado como um caso de adultério, somente a
partir da década de 1960 é que a críticar passou a enxergar Bentinho como o
problema central a ser analisado.
Enfim, a discussão acerca da
fidelidade de Capitu é, talvez, o que menos importa na obra, visto que a
verdadeira história nunca será revelada; ela corre por fora de nossa percepção
imediata, mas discretamente entra em contato com nossos pressentimentos.
Resumo
da obra
O
livro de Machado é dividido em 148 capítulos, com a predominância dos capítulos
curtos; o enredo é caracterizado pelo caráter psicológico tendo na personagem
de Bentinho a busca de memórias que o façam compreender sua vida principalmente
naquilo que tange sua relação com Capitu.
Bentinho ganha o apelido de Dom
Casmurro logo na infância, onde, por sinal, são definidos os principais fatos
relembrados já na velhice, ou seja, na escrita do livro "de
memórias". Situado cronologicamente em 1857, o livro passa alguns detalhes
daquilo que se configurava enquanto a cidade do Rio de Janeiro daquele século,
sob parâmetros da tradição burguesa bem representada por Machado.
Morando em Matacavalos, Bentinho é o único filho de Dona. Glória, e
órfão de pai. Na grande casa descrita por Bentinho moram ainda Tio Cosme,
Justina, e José Dias, o agregado e importante personagem de interferência
psicológica no menino. Capitulina – Capitu- era vizinha da família sempre
brincando com Bentinho enquanto descobriam-se crianças, depois pré-adolescente
tempo em que Dom Casmurro escreve ter se apaixonado. A verdade é que as
memórias do despertar da paixão estão no Bentinho já velho, o que provoca no
leitor os primeiros questionamento quanto à veracidade dos fatos.
Dona Glória compartilha com José
Dias a ansiedade e também a angústia de Bentinho atingir a idade para ser
mandado ao seminário, a promessa, enfim, estaria realizada, mas Dona Glória
sofria com a separação de seu único filho. No entanto, o menino ouve a conversa
e já tomado por certa paixão por Capitu teme distanciar-se dali, a sua casa,
família, da sua vizinha e vai buscar ajuda em José Dias pedindo conselhos e que
o agregado convença sua mãe a deixá-lo ficar. José Dias, muito embora tenha
prometido ajudar o menino, duvidou da pureza de Capitu sugerida por Bentinho.
O pedido de ajuda não surtiu efeito e Bentinho é mandado ao seminário,
sempre tentando descobrir uma forma de sair de lá, já que só pensa no namoro
com a menina Capitu o esperando em Matacavalos. Contando com um ou outro
conselho de José Dias, e com alguma ajuda efetiva, Bentinho consegue sair do seminário para ir estudar no
exterior.
Ao retornar, casa-se com
Capitu, e mantém laços com o amigo Escobar que fez no seminário, e que agora
estava casado com a amiga de Capitu. Muito embora, confiasse no amigo, Bentinho
por algumas vezes, relata, encontrou Capitu e Escobar juntos sozinhos pela
casa. O fato para o Dom Casmurro da velhice traz à tona o início de inúmeras
indagações que permeiam a obra.
Nasce o filho de Capitu e Bentinho,
Ezequiel. Nascem também muitas dúvidas. O amigo Escobar morre logo após o
nascimento da criança, e é durante o velório que Dom Casmurro escreve ter
percebido fatos intrigantes. Capitu não chorou durante o velório, no entanto,
segundo as memórias de Casmurro, a mulher apresentava forte sentimentos,
denotando aqui mais uma vez a narrativa psicológica do romance.
As dúvidas alimentadas pelo
personagem desdobram-se no passado a partir deste momento. Bentinho passa a
desconfiar do filho que levara seu nome. Para ele, Ezequiel parecia-se muito
mais com Escobar do que com ele. Tomado pelo ciúmes, Bentinho chega até a
planejar o assassinato de Capitu, convicto da traição. Sem coragem, porém,
distanciaram-se pela separação.
Capitu vai com o filho para
a Europa, onde logo depois morre. Ao voltar para o Brasil, Ezequiel encontra-se
com o pai e conta-lhe a notícia; Bentinho parece então não se importar com o
fato corriqueiro da morte e passa a novamente alimentar as dúvidas, chegando a
constatar que o menino parecia-se a cada ano mais com o amigo Escobar.
Ezequiel também morre,
restando a voz do personagem-narrador, já imerso na velhice nostálgica,
discutindo suas dúvidas, refletindo-as para que o leitor possa também desvendar
os mistérios humanos que configuram a vida.
Bibliografia
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
Rio de Janeiro: WM Jackson, 1947.
BOSI, Alfredo. História Concisa da
Literatura Brasileira. 2ªed. São Paulo: Cultrix, 1977.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no
Brasil. 3ªed. Rio de Janeiro: José Olympio; Niterói: UFF, 1986.
SCHWARZ, Roberto. Duas meninas. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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