MELHORES POEMAS – MANUEL BANDEIRA
Para entendermos a obra de Manuel Bandeira precisamos saber um pouco
de sua vida.
Manuel Bandeira nasceu em Recife em 1886, ainda muito jovem descobre
que tem tuberculose e se vê obrigado a abandonar suas atividades. É
nesse momento, paradoxalmente, que deu-se vida à poesia, onde
efetivamente nasce o poeta.
Nosso autor, depois de ter enganado muitas vezes a morte, veio a
falecer em 1968, com 82 anos.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Considerado modernista, ainda que não ativo, Manuel Bandeira
experimentou influências de outras estéticas, herdeiro da
musicalidade simbolista sempre se preocupou com a sonoridade
harmônica evidenciado fortemente em seus poemas.
Em seus poemas é constante temas como: solidão, dor, medo da
morte, o passado, a infância, a melancolia, a presença do popular,
do folclórico, poesia erótico-sentimental, o cotidiano, a ternura ,
a solidariedade e o humor amargo.
PEQUENOS COMENTÁRIOS SOBRE ALGUNS POEMAS:
OS SAPOS
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
- Parnasiano aguado,
- Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O
meu verso é bom
Frumento em joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...”
Urra o sapo-boi:
- “Meu pai foi rei” - “Foi!”
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- “A grande arte é como
- Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.”
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- “Sei!” - “Não sabe!” - “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo cururu
Da beira do ri...
(1918)
COMENTÁRIOS
Esse poema teve como intuito provocar o estilo parnasiano vigente na
época. A leitura do poema de Manuel Bandeira foi feita na Semana
da Arte Moderna onde um grupo de artistas confrontavam os valores
parnasianos que se fundamentavam na valorização da estética e da
perfeição. A obra provocou muitas críticas dos parnasianistas. O
poema que inicia-se com uma referência do poeta à vaidade dos
parnasianos teve como proposta esclarecer uma identidade nacional –
já que, até então, a arte brasileira buscava modelos estrangeiros
- e o reconhecimento da liberdade de expressão.
Ao longo do poema, percebemos críticas ao parnasiano e a sua
estética. São representadas por ironia ao modo perfeito parnasiano
de fazer arte compondo rimas, inclusive, em termos que possuem a
mesma classe gramatical.
Além disso observamos, também, a sonoridade poética herdada do
simbolismo com as construções dos “P” e “b” e o jogo de
palavras “Não foi! - Foi! - Não foi!” que faz analogia com o
som e o pulo dos sapos.
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo
e manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
[ cunho vernáculo de um
vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
[ mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
[ exemplar com cem modelos e
cartas e as diferentesmaneiras
[de
agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
COMENTÁRIOS
Esse poema de estética modernista
possui versos livres e o seu conteúdo nega os valores ultrapassados
das estéticas anteriores. O poema traduz a liberdade que é
defendida pelos modernistas.
Há, num primeiro momento, uma
repulsa aos elementos que transformam a arte em ato burocrático e
num segundo momento, há uma defesa de um “lirismo libertador”
sem censuras e espontâneo.Traduz perfeitamente o paradigma do
movimento modernista.
O autor nega as manifestações
líricas que limitam a liberdade poética, critica a forma que os
procedimentos são. Da mesma maneira, ironiza o movimento romântico,
dizendo que está farto desse tipo de lirismo, deixa claro que não
quer mais o lirismo das formas tradicionais, dos movimentos
tradicionais e sim uma liberdade poética como forma de arte
autêntica.
O CACTO
Aquele
cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:
Laocoonte
constrangido pelas serpentes,
Ugolino
e os filhos esfaimados.
Evocava
também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era
enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.
Um
dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O
cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou
os beirais do casario fronteiro,
Impediu
o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou
os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de
iluminação e [energia:
- Era belo, áspero, intratável.
COMENTÁRIOS
Composto por três estrofes irregulares de versos
livres, o poema deBandeira mostra-se inusitado desde sua abertura ao
valer-se de referentes artísticos para sugerir a compleição de um
ente natural, o cacto do título.
A primeira referência diz respeito a Laocoonte,
sacerdote do templo de Apolo em Tróia e o único a desconfiar do
plano de invasão da cidade pelos gregos, escondidos no famoso cavalo
de madeira de enormes proporções. O episódio, descrito
integralmente por Virgílio na Eneida serviu de argumento e modelo
para as representações picturais e escultóricas do mito.
A
segunda referência, a “Ugolino e os filhos esfaimados”, diz
respeito ao conde pisano Ugolino della Gherardesca, acusado de
traição pelo arcebispo local, seu antigo aliado e por ele
encerrado, na companhia dos filhos, na “Torre da Fome”, onde
definham até a morte. Ao contrário de Laocoonte, cujas
representações mais conhecidas são plásticas, Ugolino é
conhecido,
sobretudo, pelo relato que faz a Dante na Divina Comédia, logo no
início do Canto XXXIII do “Inferno”. A dramaticidade do tema
despertou o interesse de Jean-Baptiste Carpeaux, que o trabalhou no
mármore, e de Rodin, que o transpôs para o bronze.
A terceira referência, em oposição às duas
primeiras, aponta para dados concretos da realidade brasileira,
evocando o cenário de origem do cacto, e do próprio poeta: o “seco
Nordeste”.
Ao articular referências a temas tradicionais das artes
plásticas e dados concretos de uma realidade distinta a esses temas,
Bandeira dá mostras de seu processo heterogêneo de composição
poética
Como compor, nesse caso, a imagem do cacto, que permeia
e organiza toda a construção do poema? A resposta talvez esteja nos
verbos escolhidos por Bandeira para intermediar a relação entre a
forma do cacto e as obras artísticas de que se vale: ‘lembrar’ e
‘evocar’.
PNEUMOTÓRAX
Febre,
hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três. - Trinta e três... trinta e três... trinta e três... - Respire.
…...............................................................................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
COMENTÁRIOS
O poema Pneumotórax apresenta um tema
autobiográfico num tom coloquial e irônico. O segundo verso pode
ser considerado como síntese da vida do poeta.
Vemos a presença de um humor absurdo diante da
morte sem remédio, poema-piada típico do modernismo.
Na primeira parte relembrando seu lado
simbolista é sugerido pelos fonemas b/p/t/d/ um som da tosse
intensificado pela onomatopeia tosse, tosse, tosse. Na segunda
parte, a linha pontilhada marca uma quebra tanto na narrativa como
na respiração. Na terceira e última parte, observamos um
eufemismo para desenganar o paciente. O doente se agarra a uma
esperança, mas o médico acha tudo inútil e recomenda que toque
um tango argentino, utilizando dos fonemas /t/ (tocar um
tango argentino)procurando
imitar a tosse do enfermo.
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VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada.
Vou-me
embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E
como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em
Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver
mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
COMENTÁRIOS
Nesse poema, Manuel
Bandeira comenta que foi o que mais demorou para ser feito.
Encantou-se pelo nome Pasárgada que significa campo dos persas.
O eu-lírico
contrapõe o mundo real, em que se encontra, e o imaginário para
qual deseja ir a Pasárgada, um lugar em que os sonhos podem ser
realizados. O tema central é a evasão espacial e temporal.
O poema estruturado
em sete sílabas métricas, ou redondilhas maiores, marca um ritmo
acelerado e reforça a ideia da vida intensamente vivida, o desejo do
eu-lírico na sonhada Pasárgada.
CONSOADA
Quando
a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
COMENTÁRIOS
É
um texto metafórico e trata de um tema universal,a morte. A metáfora
seria a associação que o eu-lírico faz entre a “preparação
para o banquete e a preparação para a morte”. Numa
linguagem subjetiva, usa o termo 'consoada' como se estivesse pronto
para receber a visitante: a morte. Aquela iniludível, que não
engana ninguém e que mais cedo ou mais tarde chegará a todos. Este
poema é sem métrica regular; pois suas características são da
1ºfase do modernismo brasileiro:FASE HERÓICA OU DE DESTRUIÇÃO: de
combate e destruição, quando ocorre a libertação linguística e
são afirmados os valores estéticos do movimento.
ARTE DE AMAR
Se
queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação,
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
COMENTÁRIOS
O poema ”
Arte de amar”, também, tem a morte como tema constante. Todavia,
não encontramos neste poemas, uma ironia tão acentuada. Os versos
em “Arte de amar” são curtos; aqueles um pouco maiores recebem a
vírgula, que tem como característica precípua a função realizar
as pausas.
As figuras
de linguagem não possuem nesse poema papel preponderante. O sujeito
lírico por meio dos versos quer passar uma ideia do que ele entende
por amor de como se dá essa arte.
No
primeiro verso o sujeito lírico diz que: “Se queres sentir a
felicidade de amar, esqueça a tua alma. No verso seguinte fala que:
“a alma é que estraga o amor.” Neste ínterim, baseando nestes
versos, poder-se-á falar que para sentirmos a alegria de amar
devemos abdicar das nossas vontades. O versos subsequentes, dois e
três, evocam o amor ágape, que na língua grega significa o amor,
caridoso, compassivo. Esta forma de amor é o amor-compaixão, “é
o sentimento que nega a vontade ao invés, em vez de afirmá-la.”
Com estes fatores explicitados anteriormente em mente, para o sujeito
lírico a alma só encontra aprazimento quando está em contato com
Deus, e não em outra alma. Além disso, diz que a satisfação não
pode se dar com nenhum outro ser terreno.
O sétimo
verso é pautado por um leve erotismo, pois os corpos se entenderão
apenas com outros corpos. Isto demonstra que para o sujeito lírico o
amor se dá apenas por meio de algo erótico, este sentimento é
diferente do ágape. Chegando até a ser pessimista em relação ao
amor
Para
findar, faz-se necessário frisar que “A arte de amar” é um
poema reflexivo onde as rimas praticamente inexistem. Ele se aproxima
bastante de um texto em prosa, porém não perde seu caráter poético
através dos versos. É um poema escrito por Manuel Bandeira em seu
melhor estilo.
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