Mário de
Andrade (São Paulo, 1893-1945) foi uns dos líderes do Movimento Modernista
Brasileiro.“Contos Novos” (1947)é uma obra póstuma do autor e liga-se ao
espírito da primeira fase do Modernismo, à experimentação que marca a Semana de
22 e, de certo modo, toda a obra de Mário de Andrade.Por isso, mais do que os
fatos exteriores (2º fase do modernismo), os relatos procuram registrar o
interior das personagens.
Se o contista, como quer
Alfredo Bosi, é “um pescador de momentos singulares cheios de significação”,
Mário de Andrade nos Contos Novos foi
um ótimo contista. Isso porque as nove narrativas do livro convergem para a
configuração de momentos muito especiais vividos por suas personagens com
intensidade e paixão.
Os contos podem
ser classificados em dois grandes grupos, segundo o foco narrativo. Os
narrados em primeira pessoa somam-se quatro narrativas e todas elas têm como narrador -protagonista, Juca. Há nesses contos um
fundo autobiográfico, sugerido pelo próprio Mário de Andrade, que chega a se
autorreferir no primeiro desses contos ("Vestida de Preto"): “Tanto
andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar éconto
ou não, sei que é verdade.”
Segue o resumo
desses contos a fim de conhecermos um pouco dos pensamentos de Juca:
"Vestida de preto": Juca,
em flash-back, recupera as primeiras experiências amorosas com sua prima Maria,
bruscamente interrompidas por uma Tia Velha. A repressão associa-se à rejeição
da prima, que o esnoba na adolescência. A prima se casa, descasa, e o convida
para visitá-la. "Fantasticamente mulher", sua aparição deixa Juca
assustado.
"Tempo de camisolinha": Juca, posicionando-se novamente como
personagem-narrador, evoca reminiscências da infância, especialmente do trauma
que lhe causou o corte de seus longos cabelos cacheados. Reconcilia-se com a
vida ao presentear um operário português com três estrelas-do-mar.
"Frederico Paciência": Dois
adolescentes envolvidos por uma amizade dúbia, de conotação homossexual,
procuram encontrar justificativas para esse controvertido vínculo e se rebelam
contra as convenções impostas pela sociedade.
"Peru de Natal": Juca exorciza
a figura do pai, "o puro-sangue dos desmancha-prazeres",
proporcionando à família o que o velho, "acolchoado no medíocre",
sempre negara.
Os contos narrados em
terceira pessoa combinam o lirismo e a investigação subjetiva com o engajamento
social. Nesses contos, a inspiração de Mário de Andrade não é só humanitária,
mas também de denúncia da injustiça social e da patética alienação do
trabalhador, ele desejava que os artistas fizessem uma “arte interessada”, ou
seja, de caráter social, coletivo. Vejamos agora os contos que denunciam os
conflitos externos do homem:
"Primeiro de Maio":
Conflito de um jovem operário, identificado como "chapinha 35", com o
momento histórico do Estado Novo. 35 vê passar o Dia do Trabalho,
experimentando reflexões e emoções que vão da felicidade matinal à amargura e
desencanto vespertinos. Mesmo assim, acalenta a esperança de que, no futuro,
haja liberdade democrática para que "sua" data seja comemorada sem
repressão.
"O
ladrão": Numa madrugada paulistana, um bairro
operário é acordado por gritos de pega-ladrão. Num primeiro momento, marcado
pela agitação, os moradores reagem com atitudes que vão do medo ao pânico e à
histeria, anulados pela solidariedade com que se unem na perseguição ao ladrão.
Num segundo momento, caracterizado pela serenidade e enleio poético, um pequeno
grupo de moradores experimenta momentos de êxtase existencial. Os
comportamentos se sucedem numa linha que vai do instinto gregário ao
esvaziamento trazido pela rotina.
"O
poço": Joaquim Prestes, fazendeiro dividido entre o autoritarismo
e o progressismo, é desafiado por um grupo de peões que se insubordinam,
desrespeitando o mandonismo absurdo do patrão.
"Nélson":
Registro do comportamento insólito de um homem sem nome. Num bar, um grupo de
rapazes exercita seu "voyeurismo" pela curiosidade despertada pelo
estranho sujeito: quatro relatos se acumulam, na tentativa de decifrar a
identidade e a história de vida de uma pessoa que vive ilhada da sociedade,
ruminando sua misantropia.
Uma exceção nesse grupo é "Atrás
da Catedral de Ruão": Relato dos obsessivos anseios sexuais de uma
professora de francês (Mademoiselle), quarentona invicta – 43 anos, que procura
hipocritamente dissimular seus impulsos carnais. Aplicação ficcional da
psicanálise: decifração freudiana.
Enfim, nos nove contos,
evidencia-se um profundo mergulho na realidade social e psíquica do homem
brasileiro. Os quatro contos de cunho biográfico e
memorialista, centrados em Juca, promovem uma "interiorização" de
temas sociais e familiares. Já os com enunciação em terceira pessoa apresentam
personagens cuja densidade psicológica procura expressar a relação conflituosa
do homem com o mundo. Em contos como "Primeiro de Maio", "Atrás
da catedral de Ruão" e "Nélson", os protagonistas não têm nome:
isso é índice da alienação que fragmentam a existência humana na sociedade
contemporânea.
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