sexta-feira, 27 de julho de 2012

CONTOS NOVOS - MÁRIO DE ANDRADE

(Por: Aline Carla Dalmutt)

Mário de Andrade (São Paulo, 1893-1945) foi uns dos líderes do Movimento Modernista Brasileiro.“Contos Novos” (1947)é uma obra póstuma do autor e liga-se ao espírito da primeira fase do Modernismo, à experimentação que marca a Semana de 22 e, de certo modo, toda a obra de Mário de Andrade.Por isso, mais do que os fatos exteriores (2º fase do modernismo), os relatos procuram registrar o interior das personagens.
Se o contista, como quer Alfredo Bosi, é “um pescador de momentos singulares cheios de significação”, Mário de Andrade nos Contos Novos foi um ótimo contista. Isso porque as nove narrativas do livro convergem para a configuração de momentos muito especiais vividos por suas personagens com intensidade e paixão.
Os contos podem ser classificados em dois grandes grupos, segundo o foco narrativo. Os narrados em primeira pessoa somam-se quatro narrativas e todas elas têm como narrador -protagonista, Juca. Há nesses contos um fundo autobiográfico, sugerido pelo próprio Mário de Andrade, que chega a se autorreferir no primeiro desses contos ("Vestida de Preto"): “Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar éconto ou não, sei que é verdade.”
Segue o resumo desses contos a fim de conhecermos um pouco dos pensamentos de Juca:
*      "Vestida de preto": Juca, em flash-back, recupera as primeiras experiências amorosas com sua prima Maria, bruscamente interrompidas por uma Tia Velha. A repressão associa-se à rejeição da prima, que o esnoba na adolescência. A prima se casa, descasa, e o convida para visitá-la. "Fantasticamente mulher", sua aparição deixa Juca assustado.
*      "Tempo de camisolinha": Juca, posicionando-se novamente como personagem-narrador, evoca reminiscências da infância, especialmente do trauma que lhe causou o corte de seus longos cabelos cacheados. Reconcilia-se com a vida ao presentear um operário português com três estrelas-do-mar.
*      "Frederico Paciência": Dois adolescentes envolvidos por uma amizade dúbia, de conotação homossexual, procuram encontrar justificativas para esse controvertido vínculo e se rebelam contra as convenções impostas pela sociedade.
*      "Peru de Natal": Juca exorciza a figura do pai, "o puro-sangue dos desmancha-prazeres", proporcionando à família o que o velho, "acolchoado no medíocre", sempre negara.

Os contos narrados em terceira pessoa combinam o lirismo e a investigação subjetiva com o engajamento social. Nesses contos, a inspiração de Mário de Andrade não é só humanitária, mas também de denúncia da injustiça social e da patética alienação do trabalhador, ele desejava que os artistas fizessem uma “arte interessada”, ou seja, de caráter social, coletivo. Vejamos agora os contos que denunciam os conflitos externos do homem:

*      "Primeiro de Maio": Conflito de um jovem operário, identificado como "chapinha 35", com o momento histórico do Estado Novo. 35 vê passar o Dia do Trabalho, experimentando reflexões e emoções que vão da felicidade matinal à amargura e desencanto vespertinos. Mesmo assim, acalenta a esperança de que, no futuro, haja liberdade democrática para que "sua" data seja comemorada sem repressão.
*      "O ladrão": Numa madrugada paulistana, um bairro operário é acordado por gritos de pega-ladrão. Num primeiro momento, marcado pela agitação, os moradores reagem com atitudes que vão do medo ao pânico e à histeria, anulados pela solidariedade com que se unem na perseguição ao ladrão. Num segundo momento, caracterizado pela serenidade e enleio poético, um pequeno grupo de moradores experimenta momentos de êxtase existencial. Os comportamentos se sucedem numa linha que vai do instinto gregário ao esvaziamento trazido pela rotina.
*      "O poço": Joaquim Prestes, fazendeiro dividido entre o autoritarismo e o progressismo, é desafiado por um grupo de peões que se insubordinam, desrespeitando o mandonismo absurdo do patrão.
*      "Nélson": Registro do comportamento insólito de um homem sem nome. Num bar, um grupo de rapazes exercita seu "voyeurismo" pela curiosidade despertada pelo estranho sujeito: quatro relatos se acumulam, na tentativa de decifrar a identidade e a história de vida de uma pessoa que vive ilhada da sociedade, ruminando sua misantropia.

Uma exceção nesse grupo é "Atrás da Catedral de Ruão": Relato dos obsessivos anseios sexuais de uma professora de francês (Mademoiselle), quarentona invicta – 43 anos, que procura hipocritamente dissimular seus impulsos carnais. Aplicação ficcional da psicanálise: decifração freudiana.

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